domingo, 25 de dezembro de 2016

O efêmero, a simplicidade e o essencial foram expostos na ‘Missa do Galo’

Flávio Azevedo
O Papa Francisco durante a homilia na noite de Natal 2016
Talvez eu seja o único evangélico que acompanhe atentamente a Missa do Galo, aquela que é celebrada na noite de Natal. Por conta das minhas raízes evangélicas, eu não entendo muito os ritos católicos, mas o meu principal interesse é sempre pela homilia, esse ano muito destacada pela mídia pelos apelos que o Papa Francisco fez à paz. Todavia, eu gostaria de destacar outras coisas ditas pelo líder máximo do catolicismo no meio da sua pregação. Ao refletir sobre o nascimento de Jesus, o Papa falou do efêmero, da simplicidade e do essencial.

Reconhecidamente adepto do “franciscanismo”, grupo de religiosos católicos que se destaca por pregar o desapego ao luxo, ao consumismo e por atuarem mostrando que Deus está presente nas coisas simples da vida, o Papa Francisco tratou desses temas mostrando que o apego ao efêmero nos impede de aceitar Jesus. É sobre esse tema que eu gostaria de fazer algumas reflexões. Começo destacando a dificuldade que Maria e José tiveram para conseguir um lugar onde Jesus pudesse nascer. É nítido que, hoje, Jesus segue tendo dificuldade para nascer dentro de nós.

O decreto do imperador romano determinava que cada cidadão retornasse ao seu local de origem para uma espécie de recadastramento. Maria e José deveriam se dirigir a Belém, lugar onde nasceram. Embora os profetas do Velho Testamento, como Miquéias, tivessem profetizado a chegada do Messias em Belém, ninguém prestou atenção nisso. Aliás, jamais os judeus, senhores de si como são, aceitariam o “Messias” nascendo naquele pardieiro.

Belém estava cheia de pessoas. Por conta do tal decreto, os hotéis e pousadas estavam com lotação esgotada. Gente de todo canto regressava naquele dia para se recadastrar. Entre aqueles tantos estavam Maria e José, que chegavam de uma viagem penosa. Num tempo em que as pessoas não dispunham dos confortáveis meios de transportes modernos (ônibus, avião, vans, táxis), qualquer viagem era muito cansativa, sobretudo para quem estava com cerca de oito meses de gestação. 

Com as dores do parto se intensificando, José entendeu que Maria precisava de um lugar para descansar, porque a conceição estava próxima. Mas não havia lugar para Jesus. As pessoas estavam focadas no recadastramento. Cada um estava ligado no seu problema. Os empresários do setor hoteleiro estavam atentos ao conforto dos seus hospedes. Alimento para um, água para outro, combustível para manter acesa a luz daquele quarto, analgésico para aquele hospede que estava com corpo dolorido por conta da longa viagem; e essa correria tornava inviável dar atenção a um casal pobre. Aliás, “pelo tamanho da barriga dessa mulher essa gente vai dar é trabalho e não terão como pagar!”, certamente pensaram vários donos de hotéis.

O engraçado é que esse ambiente que envolve o nascimento de Jesus é uma alegoria do que existe, hoje, quando Jesus quer nascer em nossos corações, mas não há lugar. O apóstolo João escreveu, no Apocalipse, que Jesus deseja ser recebido: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Apocalipse 3.20). Há 2016 anos, Jesus não foi recebido, porque as pessoas estavam muito ocupadas. Hoje o cenário se repete. Tentam culpar a modernidade, mas quando ainda não existia tecnologia e internet, o efêmero impedia as pessoas de enxergarem o essencial.

Finalizando essas reflexões eu pergunto: que efemeridade é responsável por eu não receber Jesus? O trabalho? As atividades da vida? O esporte que pratico? A família? As duas esposas que tenho? Práticas condenáveis que mantenho em segredo? Hábitos? Vícios? As relações extraconjugais? Licenciosidade? Costumes? Amigos? Status social? Vergonha de largar tudo e ser chamado de bobo? Sim amigo... Essas e outras situações ainda são as principais responsáveis por não recebermos Jesus, o essencial que se aproxima de nós nas formas mais simples.

Os judeus perderam o ‘time’ porque esperam um “Messias” nascendo num palácio, filho de um rei poderoso e envolto em muitas honrarias. Jesus dificilmente está nesses lugares possuídos pela efemeridade. Como destacou o Papa Francisco, Ele está na simplicidade da vida. Na natureza, nas flores que desabrocham, nos pássaros que cantam, nas palavras do pregador mais humilde, na melodia de uma simples canção e/ou aparece diante de nós como Maria e José, na figura de pessoas que precisam de ajuda.

Que nesse Natal, os nossos olhos estejam bem abertos e nossos ouvidos aguçados a batida diária de Jesus na porta dos nossos corações. Não esqueçamos que ao abrirmos a porta, Ele entrará em nossa casa, cearemos com Ele, e Ele conosco. E nunca percamos de vista o que escreveu João no seu evangelho: “porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele”. Todavia, é preciso esquecer o efêmero e atentar para o essencial que é abrir para Ele a porta do coração. Amém!

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