segunda-feira, 21 de abril de 2014

As mãos de Francisco

Flávio Azevedo 
No último dia 18 de abril eu as vi pela última vez. As mãos de Francisco, meu pai, que depois de lutar contra tumores no fígado, por quase um ano, foi vencido pela gravidade da doença e nos deixou de forma prematura. Aquelas mãos, que tinham algumas pintas, coisa natural a nossa família, juntamente com todo aquele corpo forte e sadio fizeram história e escreveram muitas histórias, algumas delas imortalizadas nos livros, “Retalhos da Vida” e “Histórias e Lendas em Foco”, obras que mantém vivo o seu talento.

Eu era bem pequeno quando conheci aquelas mãos. Lembro que ainda muito menino, o telhado da nossa casa, feito de telhas francesas, sempre que chovia apresentava algumas goteiras. Papai, com aquelas mãos vigorosas, empunhava algumas ferramentas e como o “Homem Aranha”, ele escalava as paredes até chegar ao telhado e resolver o problema.

Lembro-me daquelas mãos fortes me levantando, me colocando no colo e, posteriormente, me ajeitando no cangote, onde eu viajava de primeira classe pela Serra do Sambê. As mesmas mãos guiavam o carrinho de mão que seguia cheio de alguma coisa até algum lugar, para retornar com dois ilustres passageiros: meu irmão e eu (isso era sempre).

Mãos que também me davam algumas palmadas e merecidos puxões de orelha (eles sempre eram precisos). Papai tocava um sítio, na Serra do Sambê, onde cultivava bananeiras. No fim do dia aquelas mãos estavam cobertas de nódoas de banana. Ele, calmamente, usava limão e areia para esfoliar as mãos, que em alguns minutos estavam ‘rosadas’ como se ele estivesse chegado do escritório.

Aquelas mãos fizeram carinho nos filhos, acariciaram Dona Selma (minha mãe)... Eu vi as mãos do meu pai empunhando toda sorte de instrumentos musicais, sendo que elas demonstravam maior desenvoltura ao tocar violão, guitarra e o afamado bandolim. Ele manuseava qualquer tipo de ferramenta, sobretudo aquelas destinadas ao serviço braçal. Contudo, aquelas mãos fortes e firmes, também construíam obras artesanais e miniaturas admiráveis.

As mãos de Francisco também sabiam trabalhar na cozinha. E que tempero! Que combinações! Que sabor elas conseguiam dar aos alimentos que preparava. Aquelas mãos rijas também se fechavam quando o pai estava indignado e percebia ser preciso defender e proteger os filhos, a família. Aquelas mãos pareciam a do "Tarzan", por vezes, eu achava que elas eram do "Fantasma", mas nunca as vi com o tradicional anel da caveira, que é usado pelo tal personagem dos quadrinhos.

Pilotando uma bicicleta (eu geralmente estava na garupa), um carro, cavalgando, empinando pipa, moendo cana, varrendo o quintal, cuidando das plantas, preparando remédios caseiros para nós... As mãos de Francisco faziam inúmeras atividades. Elas também construíram casas, ergueram muros, quebraram pedras, abriram fundações, prestaram socorro... E nos últimos dias aquelas mãos acariciavam o seu rosto macilento, nos momentos de fadiga, desanimo, enfado, dor, desconforto e cansaço, sintomas de que a doença, aos poucos, roubava-lhe a vida.

Concluo esse texto chorando. Mas o coração dolorido confia e tem esperança de que um dia eu reencontrarei o meu pai. Essa fé, porém, só é possível, pelo que mais vi as mãos de Francisco fazer: folhear a Bíblia, livro que papai estudava diligentemente. Além de pesquisar o livro sagrado, os ensinamentos adquiridos ali eram transmitidos aos filhos e a todos. As mãos de Francisco, que eu vi sobrepostas pela última vez no dia 18 de abril; e que eu segurei entre as minhas nos últimos momentos de sua vida, certamente, num futuro, que julgo não estar muito distante, estarão abertas e vivas para receber Jesus, quando este voltar a esse mundo para resolver sérios problemas, entre eles, a morte.

Nessa ocasião, eu espero que o meu pai seja ressuscitado para receber Jesus. Ele terá um corpo renovado e sadio! É nesse contexto que eu espero ser abraçado e cumprimentado por aquelas mãos que voltarão a ser firmes e vigorosas, mas, agora, eternamente! Amém!

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